Origens do Choro: da polca ao maxixe

Polka

1. "Se tivesse de apontar uma data para o início da história do Choro", afirma o músico e pesquisador Henrique Cazes, "não hesitaria em dar o mês de julho de 1845, quando a polca foi dançada pela primeira vez no Teatro São Pedro".

Cazes¹ explica que o Choro foi primeiro uma "maneira de tocar". A própria palavra, choro, segundo ele, seria decorrência da maneira mais lenta e "exacerbadamente sentimental" (chorosa) com que os músicos da época "abrasileiravam" as danças europeias.

Somente no século XX, "pelas mãos geniais de Pixinguinha, Choro passou a significar também um gênero musical de forma definida".

"O processo de mistura de estilos e sotaques que levou ao nascimento do Choro ocorreu de forma similar em diferentes países. A partir dos mesmos elementos - danças europeias (principalmente a polca) somadas ao sotaque do colonizador e à influência negra, foram surgindo gêneros que seriam a base de uma música popular urbana nos moldes que hoje conhecemos".

Grupo de 'chorões' - 1906. Irineu de Almeida foi professor de Pixinguinha

2. Uma expressão comumente usada diz que os brasileiros 'amoleciam' a polca. O Choro, seria, na origem, uma 'polca amolecida'.

Na década de 1970, o selo Marcus Pereira lançou a série Três Séculos de Música Brasileira, com quatro LPs.

Pesquisa e direção musical do projeto ficaram a cargo de Rogério e Régis Duprat. Os irmãos-maestros recuperaram composições escritas no século XIX e as gravaram em grande parte com os instrumentos das bandas de música, um tipo de ensemble que tinha forte presença naquele contexto histórico.

Numa proposta didática muito clara, os discos demonstram as transformações sofridas pela polca até chegar ao maxixe.


3. A polca original, aquela que causou sensação nos salões de baile de outrora, poderia ser escrita, onomatopaicamente, assim:


Leonor (Silva Júnior) 1888

Na gravação de Leonor, executada pela banda dos irmãos Duprat, o 'Tum' grave é tocado por um instrumento da família das tubas. Já o 'pá' agudo é feito por trombones.

Não esqueça que estamos colocando foco na escuta do acompanhamento de Leonor. Ou seja, o ritmo pulsante que subjaz à melodia principal e que, a rigor, caracteriza o estilo denominado 'polca'. Em Leonor a melodia principal está a cargo de clarinetes e flautas (e discretos trompetes).

4. A segunda gravação, Não Sei se Sabes, acrescenta um discreto 'pá', no segundo compasso da célula rítmica.


Esse 'papapá' é muito usado nas polcas originais. É um detalhe mínimo, ainda não é uma contribuição propriamente brasileira, mas faz com que a levada ganhe agilidade e leveza. A instrumentação é praticamente idêntica à de Leonor. Tuba fazendo o 'Tum', trombones os 'pás' e a melodia principal de novo sendo tocada por flautas, clarinetes e, agora bem mais presentes, trompetes.

Não Sei se Sabes (anônimo) 1887

5. É na terceira música dessa playlist que a influência dos ritmos afro-brasileiros começa a 'ganhar corpo'. Continuando o percurso elaborado pelos Duprat, em Só Assim, no lugar do 'papapá' do segundo compasso, entra um 'paapapá', que nada mais é do que a mesma figura rítmica presente em Não Sei se Sabes sendo atacada um 'tiquinho de nada' antes. Pois, acredite ou não, é essa pequena antecipação, a célebre 'síncopa', que faz o acompanhamento como um todo ganhar balanço.


Só Assim (Romualdo Miranda) 1909 

6. Nossa última polca já traz um acompanhamento muito mais 'euforizante'. Aquele 'paapapá', que havia sido comedidamente usado sempre na segunda metade da célula rítmica vai se espraiar por todos os compassos, submetido a várias pequenas alterações até a entrada dos pratos, sonoridade que, no futuro, caracterizará o maxixe.


Que Língua, Não? (anônimo) s.d.

7. Completando o percurso, é hora de ouvir um maxixe. As percussões ganham proeminência. As células rítmicas continuam, no fundo, as mesmas da polca, mas de tal forma atravessadas por acelerações do pulso e molejos sincopados que o que surge é uma música já não mais apenas dançante, mas catártica.

Ou Vai, ou Racha (anônimo) 1920 (?)

Apesar de toda a 'carnavalização' operada pelo 'amaxixamento', permanece a languidez do modo 'chorado' de moldar as ideias musicais do europeu nas mãos dos brasileiros.

A 'contradição sem conflito' que atravessa o choro, explode no maxixe e vai se consolidar como base da canção popular brasileira a partir da década de 1920, receberá uma poderosa síntese poética quando Vinicius de Moraes, 120 anos depois do início dessa epopeia, define o samba como "a tristeza que balança".




¹ CAZES, Henrique - 'Choro: do Quintal ao Municipal'. 1ª Edição. Editora 34, 1998.

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